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segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Parlamentares infringem a lei e são principais donos de rádio e TV no País

No Brasil, grande parte dos meios de comunicação está sobre controle de políticos, um fenômeno conhecido como “coronelismo eletrônico”. Essa prática, que é proibida pela Constituição Federal, alimenta um sistema de negociações e abuso de poder que é invisível e desconhecida para a maior parte da população. A pesquisa Donos da Mídia, que cruzou informações da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), entre os anos 1987 e 2008, levantou 271 políticos como sócios ou diretores, direta ou indiretamente, de 324 veículos de comunicação.

A pesquisa também aponta que o coronelismo eletrônico é disseminado em todo o País e adotado pela grande maioria dos partidos. O DEM aparece na lista com o maior número de políticos donos de rádio e TV com 58 parlamentares. Já o PMDB é o segundo do ranking com 48. Vale ressaltar que o PMDB é o partido com o maior número de parlamentares ruralistas – a maior bancada do Congresso Nacional – que defende os interesses dos grandes proprietários de terra e todas as pautas ligadas ao agronegócio. O terceiro da lista é o PSDB com 43 parlamentares.

A doutoranda em Comunicação e Cultura pela UFRJ, Janaine Aires, explica que o coronelismo eletrônico é uma prática antiga que ao longo da história política brasileira assumiu papéis diferentes, mas manteve sempre como característica o caráter clientelar das concessões. E foi no governo Sarney, com Antônio Carlos Magalhães como chefe do Ministério das Comunicações, que houve uma verdadeira “farra” de concessões. Para se ter uma ideia, em 3 anos, foi distribuída mais da metade das concessões outorgadas em 51 anos de radiodifusão no Brasil.

“Convivemos com a atuação parlamentar de radiodifusores, que como é de se imaginar, não votam contra os próprios interesses e impedem a regulamentação das conquistas que a comunicação obteve na Constituinte de 1988. O cenário de concentração política dos meios de comunicação acentua os desequilíbrios entre aqueles que disputam o poder, fortalece o falseamento da representação e coloca os detentores de concessões em posições políticas privilegiadas”, ressalta Janaine.

O controle da mídia por políticos também traz consequências graves para as populações mais vulneráveis como mulheres, jovens e populações tradicionais, que cotidianamente lutam para garantir seus direitos. A integrante do Coletivo Intervozes e comunicadora popular da ASA, Raquel Dantas, conta que todo grupo que enfrenta a negação de direitos está no caminho de grandes interesses e dificilmente as violações sofridas por esses grupos ganharão espaço nos veículos controlados por parlamentares, em especial os de radiodifusão, por onde a maior parte da população tem acesso à informação.

“A negação ao direito à comunicação desses povos é a própria negação da cidadania, pelo processo de invisibilidade que sofrem e pela ausência da informação sobre seus direitos. O impacto também se dá pelo efeito devastador para a multiplicidade cultural e a identidade que caracteriza cada um desses grupos”, ressalta a comunicadora.

Tão absurdo quanto infringir a lei é o modo como as outorgas são aprovadas e renovadas, geralmente com grande facilidade e muitas vezes em sessões esvaziadas e de curta duração. O artigo 54 da Constituição Federal é bem objetivo quanto à proibição de deputados e senadores serem sócios de empresas concessionárias de serviço público, o que inclui canais de rádio e TV.

Polarização política e midiática – Em muitas cidades, a propriedade dos meios de comunicação espelha o universo de disputa política do estado. Em Patos, no Alto Sertão da Paraíba, por exemplo, a disputa ocorre entre os grupos Motta e Sátiro. A atual prefeita, Francisca Motta, é sócia do Sistema Itatuinga de Comunicação e da Rádio Itatiunga FM, juntamente com Nabor Wanderley Filho, ex-prefeito de Patos. Já a Rádio Panati FM pertence ao grupo Sátiro e tem como um dos sócios Múcio Sátiro, ex-deputado federal.

José Anchieta de Assis, que por mais de 15 anos apresentou um programa numa rádio comunitária ligada a Pastoral Social da Diocese de Patos, critica a superficialidade dos conteúdos devido às disputas políticas locais e à falta de autonomia dos meios de comunicação que pertencem a grupos políticos. E isso implica no não estímulo da capacidade crítica das pessoas e impede a manifestação livre dos cidadãos.

“As pessoas, quando se dirigem a uma determinada emissora de um grupo político, ou concorda com o que ele fala ou critica o grupo político adversário. Então os problemas centrais normalmente não aparecem porque fica nessa briga. Eu acho que isso empobrece a comunicação”, lamenta Anchieta, que também integra a coordenação da ASA pelo estado da Paraíba e compõe a equipe da Caasp, uma central de associações de assentamentos do Alto Sertão da Paraíba ligada à ASA.

O caso de Patos e de outras cidades da Paraíba está registrado no artigo “Política no Ar e no Sangue”, de Janaine Aires. As informações fazem parte dos resultados preliminares do projeto “Clientelismo e patrimonialismo nas políticas de comunicação brasileiras: dinâmicas assimétricas de poder e negociação”, do qual Janaine é vice-coordenadora. O projeto é financiado pela Fundação Ford e executado pelo Grupo de Pesquisa em Políticas e Economia da Informação e da Comunicação (PEIC).

A pesquisa, que trará dados inéditos, busca mostrar o caráter sistêmico do coronelismo eletrônico. Isso ajuda a perceber, por exemplo, que essa prática não se resume à posse política de um meio de comunicação, como a maior parte das pessoas pensa. Além disso, de acordo com Janaine, esse olhar sistêmico ajuda a perceber as relações clientares de alto grau de reciprocidade que caracterizam a política brasileira e a fragilidade da distinção entre o público e o privado no Brasil.

Comunicação popular – José de Anchieta trabalhou por mais de 15 anos como apresentador do programa “Caminhos do Sertão”, ligado à Diocese de Patos. Como radialista, procurou sempre atuar como um facilitador da voz do povo. Para ele, as pessoas precisam se reconhecer nos conteúdos abordados, por isso defende que os meios de comunicação valorizem a história e a cultura local. “O programa era recheado de entrevistas, de experiências e de atividades das comunidades, de críticas e de apelos, falar menos e deixar o povo falar mais. Era dessa maneira que a gente se comportava. E foi uma experiência muito positiva enquanto pude estar por lá”, diz Anchieta.

Além dos meios formais de comunicação, como o rádio, Anchieta destaca o trabalho educativo que organizações sociais e redes como a ASA vêm desenvolvendo como uma alternativa à comunicação hegemônica. Como exemplo, ele cita as visitas de intercâmbio, as feiras de economia solidária, as feiras agroecológicas. “Esses são também espaços de partilha de conhecimento e muitas vezes de mudança de mentalidade que precisam ser valorizados.”

Para Raquel Dantas, quanto mais gente produzindo comunicação popular e conseguindo dialogar com o resto da sociedade sobre a informação que não chega para a maioria das pessoas, mais forte será nosso poder de enfrentamento ao discurso homogêneo e tantas vezes violador que os meios produzem. “Incentivar a apropriação do direito à comunicação e fazer com que grupos invisibilizados pelos grandes meios possam produzir suas próprias narrativas é uma estratégia muito importante de enfrentamento”, diz ela.

Informações: www.asabrasil.org.br

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